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Geraldo Pereira vive isolado do mundo no seu pequeno e pobre apartamento em uma rua estreita, barulhenta e mal cuidada. Fazia pequenos serviços de revisão e tradução de artigos acadêmicos e raramente se encontrava com alguém. Viciado em café ruim e em heresias, ele é o calorento narrador e protagonista dessa história. Seu amigo, Aloísio, o editor de uma pequena revista literária, costumava usar de sua cara de pau e poder de persuasão para arrastá-lo a projetos furados e publicações das mais variadas, sonhando com sucesso de vendas e muito dinheiro.
Desta vez, o plano era escrever um livro de autoajuda. Cético, sarcástico, recluso e extremamente mal humorado, Geraldo seria a última pessoa apta a escrever um livro desses. Fez o que pode para evitar o plano do seu amigo mas, no fim, acabou embarcando no projeto, mesmo sem qualquer expectativa de que daria certo.
Lutando contra superstições, pseudo-ciências, crendices e todos os clichês celebrados por coaches pelo mundo, Geraldo encara essa empreitada com a estranha ajuda de um pequeno demônio que vive dentro de uma garrafa, na sua estante. Ele também tem o auxílio de seu velho amigo Xaxim, veterano jornalista policial e a inspiração na tremenda inocência de Rosa, uma atendente de xerox de quem ele achava que gostava.
Então, nos seus termos, Geraldo começou a escrever uma obra — ele tinha certeza — da qual ninguém sairia incólume, se conseguisse ler até o final. Mas o que jamais lhe ocorreu foi que esse livro iria virar sua vida do avesso.
Com doses industriais de humor negro autodepreciativo, o livro viaja entre um botequim sujo e filosofia clássica, tarô e astrofísica, contando a história desse improvável autor, seu desvairado livro, (seu diabólico co-autor) e seu insólito desfecho.
Muito provavelmente vocês abriram esse post pensando: "meu Deus do céu, mas que c4r4lh0 é esse que a Ana tá lendo livro de autoajuda??" E sim, vocês me conhecem muito bem, porque não é muito comum eu ler esse gênero. Nada contra, é claro, só não tenho muita paciência pras lições de moral e a positividade tóxica, e está tudo bem quem gosta. O que vocês não sabem é que, apesar do título ser O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo, a obra de Gabriel Paciornik é, na verdade, uma ficção muito divertida e sarcástica.
A história acompanha o personagem Geraldo Pereira durante seu processo criativo para a escrita de um livro de autoajuda, cujo título é, obviamente, O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo. Em dado momento, o protagonista explica o porquê de ter escolhido esse título, mas acredito eu que a grande sacada foi do próprio Gabriel Paciornik ao mantê-lo no nome do romance, uma vez que, como ele mesmo pontua, apela para a provocação, o que tem tudo a ver com o enredo.
Geraldo é um homem de uns trinta e poucos anos, mas ranzinza e azedo igualzinho um idoso de setenta. Não tem paciência com nada, odeia sair de casa e prefere sua própria companhia pelo simples fato de não querer lidar com pessoas — claramente eu, num é à toa que tô sempre falando que não gosto de gente, rs. A grande questão é que até o mais mal-humorado dos homens precisa de dinheiro para sobreviver. Quando Aloísio, seu quase-amigo e agente, aparece com a ideia de escrever um livro de autoajuda, Geraldo aceita a proposta, mesmo sabendo que tem de tudo para dar errado. Um cara como ele escrever uma coisa para ajudar outras pessoas? Confusão na certa, não é mesmo?
O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo é, provavelmente, um dos livros mais originais que li até hoje. Acho que isso de dá justamente pela controvésia do homem pessimista, que não acredita em nada e nem em si mesmo, escrevendo um livro desse gênero. Para vocês terem ideia, até as questões filosóficas são engraçadas! Até porque, ao meu ver, é uma obra que usa do humor ácido para fazer uma crítica ao gênero autoajuda, que vende igual água porque tenta a todo custo fornecer uma solução rápida para problemas que, na maior parte das vezes, não têm solução ou são simplesmente indícios de situações muito maiores e complexas que só podem ser resolvidas com ajuda profissional.
Outra coisa que gostei bastante nessa história é que, muitas vezes, ela acaba sendo um pouco fantasiosa. Tem um personagem, que é muito importante, aliás, que é o diabinho engarrafado que ajuda o Geraldo a escrever o livro. Apesar de ser uma figura mitológica, no livro ele existe de verdade. Eu simplesmente adorei essa questão da representação do "diabinho", que nada mais é do que nossa própria consciência cochichando as coisas no ouvido da gente, rs. Mas cá para nós, quisera eu ter um desses pra me ajudar com minha dissertação de mestrado, ai, ai...
Além de Azazel, o diabinho, adorei os outros personagens secundários. São bem construídos e introduzidos em momentos oportunos e de forma bastante natural, isto é, não existem só para tapar um buraco, para ter um diálogo ou uma solução conveniente para as situações que surgem no decorrer das páginas.
O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo é bem curtinho e, por ter uma narrativa fluida, dá pra ler em um dia. Só demorei um pouco mais porque estava dividindo a leitura com outros quatro livros. Além disso, a diagramação está impecável, incluindo ilustrações muito bacanas, que super conversam com a história, no início de cada capítulo. Indico demais para quem está procurando algo leve e engraçado para mesclar com uma leitura mais densa — e que definitivamente não tenha problema com palavrões, hehehehe!
Fernando Andrade | escritor e jornalista
A intimidade pode levar um escritor à loucura. Escrever na primeira pessoa bota o espaço, o mundo dentro nós, mas também apuramos o senso crítico sobre o universo, as pessoas, o real que nos dá corda e tema para trabalhar.
Um cientista olha o mundo com suas lentes e testando hipóteses. Mas um escritor ao desenvolver um livro não testa sentenças nem verdades sobre si mesmo. A ficção é o elemento do universo em destruição.
Mas quando falamos de nós mesmos como numa prática de autoficção, nossa vida se torna como produto da mimese da literatura. No livro de autoajuda a situação se modifica. Falamos talvez até na primeira pessoa, mas, o objetivo é salvar o mundo do perigo, do aborrecimento. Gabriel Paciornik, autor de “O melhor livro de autoajuda do mundo” (Editora Labrador), usa a primeira pessoa, mas não está muito ligado a se levar a sério, não quer salvar o mundo; seu personagem, Geraldo, um escritor que faz freelas de tradução e revisão, parece mais um anti-herói sem nenhum talento para fama ou para a grana de direitos autorais. Ele recebe este tipo de trabalho de um amigo, Aloísio, que bota ele para escrever, talvez, o melhor livro de autoajuda do mundo. Temos aí um duplo de autoria.
Gabriel usa seu personagem/autor Geraldo para falar sobre os processos da criação num mundo diluído pelo sucesso e fama. A escrita como forma terapêutica de auxiliar na condução de uma vida. Geraldo começa a escrever, mas não tem muitas ideias. Seu amigo Xaxim leva-o a certo lugar, onde encontram um demônio escritor que será um arauto, ou mensageiro grego, ou coro para rechear a biografia fictícia do escritor. O demônio que come larvinhas e adora groselha fala tudo ao contrário que um iniciante deve escutar na seara de fabulação da primeira pessoa.
Para peitar as amarras da conveniência, chutar o bom gosto e o estilo do amor próprio, escreve com raiva ou fúria, criando uma mitologia em torno de si com muito misticismo, e história das civilizações.
Geraldo mora sozinha perto de um botequim, sua vida é uma órbita por entre figuras humanas das mais interessantes para escrever algo que funcione para ajudar alguém. Acontece que o livro vai para a editora e faz um sucesso retumbante, para a curiosidade dos jornalistas. Não era isso que o autor esperava. Sentia que algo não saísse bem como refletia em seu interior.
Começa a ser procurado para entrevistas, mas a fama requer certo status que Geraldo não possui; gosta do café do botequim, seu afeto anda desvairado e louco. Fala em suicídio num livro de autoajuda, mantém o pessimismo filosófico na ponta da língua afiada. A vida é sempre fúria quando temos a tempestade e não o fim de uma bonita tarde de verão.